Como Halloween fundou o terror oitentista (mas é muito diferente dele)
Em 1978, o casal de cineastas John Carpenter e Debra Hill escreveu o roteiro "The Babysitter Murders", que posteriormente seria nomeado como Halloween, cofundador do slasher oitentista, ao lado de Massacre da Serra-Elétrica, mesmo que ambos sejam dos anos 1970. Mas, afinal, como um clássico responsável por criar vários dos clichês do terror conseguiu escapar de muitos deles, de forma que o tornou único em meio à onda de terror que estava por vir? É isso que iremos descobrir hoje!
TERROR
Rafael Silva
10/6/20255 min read
A Trama:


Michael Myers (Nick Castle) foi preso em um hospital psiquiátrico por 15 anos, após assassinar sua irmã, Judith Myers, aos 7 anos. O psiquiatra Sam Loomis (Donald Pleasence) foi responsável por tentar entender aquela mente perturbada, mas rapidamente percebeu que não estava lidando com um maníaco qualquer, e sim com a encarnação da maldade. Na noite em que iria ser julgado, Myers conseguiu escapar do Sanatório Smith's Grove, fugindo rumo à sua cidade natal, Haddonfield. Sabendo o que seu paciente faria, Loomis seguiu seu rastro até a cidade, temendo o pior. Em Haddonfield, Myers começa a seguir a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) e suas amigas. Na noite de Halloween, ele continua à espreita, até atacá-las uma a uma, com apenas Strode conseguindo escapar de sua lâmina, sendo salva no último instante por Loomis, junto aos pequenos Tommy e Lindsey. Porém, os seis tiros de Loomis contra Myers não foram suficientes para matá-lo, com o corpo do assassino desaparecendo do local onde havia caído, promovendo um filme ambíguo e tenso.
Criando e rejeitando os clichês: Halloween deu origem a muitos dos costumes que hoje são inseparáveis do gênero slasher: quem transa, morre. Assassinos imortais. Personagens um tanto unidimensionais. Protagonista politicamente correta. Vários sustos falsos. O clássico velho maluco. Vários desses arquétipos foram usados aqui e tornaram-se padrão para essa e outras franquias, como Sexta-Feira 13 e Hora do Pesadelo. Porém, o maior trunfo de Halloween não está somente em ter moldado as bases de todo um subgênero, e sim de como conseguiu destacar-se nele. Aqui não temos dezenas de mortes exageradas, sexo explícito ou efeitos mirabolantes. A obra de Carpenter brilha na construção do mito de Michael Myers e na construção da aura em torno dele. O vilão está sempre à espreita, sempre acompanhado pela trilha sonora composta pelo próprio Carpenter, com base na trilha de Bernard Herrmann em Psicose. Sua presença quase espectral, por vezes até mesmo parecendo ser um delírio na mente de Laurie, é justamente o que torna Myers uma ameaça tão crível. Ele não é como Jason, que simplesmente aparece e executa; ele constrói o medo ao longo da obra. Se aprofundarmos essa análise, veremos outras diferenças capitais, entre o original, e sua maior cóp… digo, inspiração!
Primeiramente, Halloween, apesar da temática, não sofreu tanto com a censura da MPAA (Motion Picture Association). Já Sexta-Feira 13, com suas diversas mortes gráficas, sofreu cortes brutais do segundo filme em diante. Isso mostra como Halloween, em seu estilo de terror mais psicológico e atmosférico, mostrou-se capaz de não somente ´´assustar mais´´ como também, manter-se mais intacto, em relação a seu rival mais sanguinário. E é justamente nessa simplicidade, mais baseada em sugestão do que em choque, que Halloween se eterniza.
A persona desalmada de Michael se passa principalmente por sua máscara, baseada no rosto do ator William Shatner (Capitão Kirk) de Star Trek, porém, sem as sobrancelhas e bastante esbranquiçada. Sua inexpressividade expressa tudo o que Myers é: um poço eterno de maldade, sem sentimentos, apenas instinto. A atuação de Castle, apesar de não precisar de falar, é bastante segura, tendo uma boa desenvoltura e com uma respiração pesada, que traz um ar animalesco ao vilão.
Curiosidade: Nick Castle era apenas um jovem estudante de cinema que estava observando as gravações da simples produção de Halloween. Inesperadamente, ele recebeu a oportunidade de viver Michael Myers, algo que ele aceitou de imediato. Quem imaginaria que, sem aviso prévio, Castle seria o primeiro homem a vestir um dos mantos mais lendários do terror?
Porém, no quesito elenco, Donald Pleasence e Jamie Lee Curtis são, com folga, os pontos mais altos. Sam Loomis é a mistura perfeita do homem da ciência e cético, com alguém completamente desiludido e um tanto obsessivo com seu ex-paciente.
Sua fala ao Xerife Bracket na casa dos Myers, reforça essa crença perturbadora na natureza de seu paciente, no que viria a se tornar sua frase mais célebre: Eu encontrei com ele, 15 anos atrás; me disseram que não sobrou nada; sem razão, sem consciência, sem entendimento nem no sentido mais rudimentar de vida ou morte, de bem ou mal, certo ou errado. Eu encontrei essa... criança de seis anos com essa cara vazia, pálida, sem emoção, e... os olhos mais negros - os olhos do Diabo. Passei oito anos tentando alcançá-lo, e depois mais sete tentando mantê-lo preso, porque percebi que o que estava vivendo por trás dos olhos daquele garoto era pura e simplesmente... maldade.
Sua rixa com Michael ao longo da franquia desenvolve essa faceta ao extremo, tornando-o quase tão insano quanto o monstro que tenta caçar, mas, sem jamais deixar de ser um homem altruísta.
Curiosidade: como já falamos antes, Halloween bebe um pouco da fonte de Psicose, não só na trilha, mas até mesmo no desenrolar da morte de Judith Myers, que usa o mesmo tipo de filmagem que a fatídica cena do chuveiro. Porém, as referências não terminam por aí. Sam Loomis é o mesmíssimo nome do amante de Marion Crane em Psicose. Fãs do cinema teorizam que os dois Sam´s seriam a mesma pessoa. Que Sam Loomis teria tornado-se psiquiatra após perder Marion e conhecer a face da loucura por meio de Norman Bates. Assim, faria sentido ele cruzar o caminho de Myers no futuro. Até aí a teoria faz sentido, mas… olhe bem a cara deles dois! A menos que Sam tenha estudado em Tatooine (referência nerd na área), é impossível ele ter envelhecido tanto em apenas três anos. Ainda assim, é uma bela teoria.


Laurie, por sua vez, é típica final girl, certinha, inteligente e boa de grito. Sua identificação com a franquia é tamanha que a personagem já apareceu em 9 dos 13 filmes da saga, sendo a maior antagonista de Myers, junto a Loomis. Em certas linhas cronológicas, ela seria irmã do vilão; em outras, apenas uma azarada que cruzou seu caminho. Strode é base de um dos arquétipos mais populares do terror e, sem dúvida, um dos nomes mais lendários do gênero.
Curiosidade: Olha Psicose aí de novo… Alguns não sabem, mas a atriz Jamie Lee Curtis é filha da lendária Janet Leigh, responsável por viver Marion Crane no clássico de Alfred Hitchcock. Mãe e filha tiveram a chance de contracenar em Halloween: H20, em que têm uma relação bastante próxima. Mais uma vez, o clássico de Carpenter simboliza uma conexão entre o passado e o futuro do terror.
Halloween é um clássico, consolidando o subgênero iniciado por Tobe Hooper em 1974, que, por meio de uma atmosfera muito bem construída, atuações, trilha e ambientação, eternizou Michael Myers como um dos nomes definitivos do terror. Daí em diante, a saga tomou várias linhas diferentes com três linhas cronológicas diferentes.
Obviamente, o filme possui seus defeitos. A produção quase amadora impossibilita cenas mais elaboradas. A monotonia, por vezes, pode tornar-se chata, algo que envelhece muito o filme para gerações futuras. Sua continuação direta, Halloween 2 (1981), traz algumas melhorias nesse aspecto. Se coubesse a mim, faria um corte definitivo do longa. Eu uniria o primeiro e segundo filme em um só, com os devidos cortes para garantir dinamismo, aproveitando a construção atmosférica do primeiro, com a ação e revelações do segundo.
Por fim, podemos dizer que Halloween é uma lenda do terror, por livrar-se dos excessos que ajudou a criar, e abraçar uma narrativa realmente envolvente.
Nota: 9.
E você, o que acha do clássico de John Carpenter? Comente! Ao longo do mês de outubro, pretendemos comentar outros clássicos do terror, das mais diversas eras do cinema. Portanto, fique atento!