Para as novas gerações, lendas urbanas e folclore não passam de meros mitos, contados por tios ou avós para assustar crianças. Na modernidade da vida urbana, o medo do desconhecido se tornou quase inexistente — afinal, as luzes da cidade parecem expulsar qualquer força sobrenatural que possa se esconder nas sombras. Além disso, no cotidiano, há medos muito mais palpáveis a enfrentar.
Mas faça um pequeno exercício mental: imagine-se longe do conforto do seu apartamento ou casa na cidade. Agora, transporte-se para o campo, há 30, 40 ou 50 anos. Não há internet, não há luz. Apenas você e sua mente. Você realmente acreditaria que os sons da noite não passam de "lendas" ou, no silêncio absoluto, sua mente começaria a tecer teorias sobre suas origens — das formas mais perturbadoras possíveis?
Hoje começa nossa jornada pelas melhores lendas urbanas do Brasil, e vamos iniciar pelo meu próprio estado, que possui um dos folclores mais ricos do país. Ao longo da lista, desafie sua percepção da realidade. Coloque-se no lugar dessas pessoas e pergunte a si mesmo: será que você não teria medo?

Túnel de Siderópolis

Uma das paisagens mais assustadoras do estado — e a única da lista que já conheci pessoalmente — é o Túnel de Siderópolis. Construído na primeira metade da década de 1940, contou principalmente com trabalhadores vindos de São Paulo e Minas Gerais, além de alguns imigrantes fugidos da Europa pós-guerra. Muitos desses homens não tinham sequer documentos, família ou casa, sendo nada mais que meros números durante as obras. Durante a construção, muitos acidentes aconteciam, e as mortes eram inevitáveis. Seus corpos eram enterrados nos arredores sem nome ou identificação, esquecidos pela história.
As condições de trabalho eram precárias, o que custou a vida de muitos operários ainda no início da construção. A mata que cercava o local era inexplorada, ocupada majoritariamente por indígenas. A invasão dessas terras gerou conflitos entre os nativos e os funcionários, resultando em várias mortes entre os moradores originais. Foi nesse período que começaram os primeiros relatos de atividades "incomuns" no local, vozes e sons inexplicáveis ecoando pelo vazio escuro do túnel. Existem relatos, que afirmam que por vezes, era possível ver a água que escorria das paredes do túnel, se tornarem sangue, o sangue dos nativos que pereceram naquele mesmo lugar.
A aura de medo se espalhava pela cidade, mas não apenas pelo sobrenatural. O temor era, antes de tudo, humano. Os trabalhadores, exaustos e pressionados, afogavam suas frustrações nos bares, bebendo até a total embriaguez. Descontrolados, alguns chegavam a abusar de mulheres que cruzavam seu caminho. Crianças e idosos se trancavam em suas casas, temendo não fantasmas ou entidades, mas homens desprovidos de racionalidade por causa do próprio vício.
Os horrores que marcaram a construção chegaram ao fim em 1944, com a inauguração do túnel. No entanto, mesmo com o passar das décadas, ainda há relatos de vozes e aparições de funcionários e indígenas mortos ali, como se suas almas continuassem presas ao local. Hoje, o túnel serve apenas como ponto turístico, mas ainda mantém sua aura sombria, especialmente à noite, quando o imenso vazio escuro parece engolir tudo ao redor.
Os Fantasmas de Anhatomirim

O período que antecedeu a Proclamação da República foi extremamente caótico em todo o país. Os militares, liderados pelo então presidente Deodoro da Fonseca, enfrentavam dificuldades para sustentar a ordem. Incapaz de manter o controle, Deodoro renunciou, abrindo caminho para o segundo presidente da história do Brasil: Floriano Peixoto, o homem que daria nome à capital de Santa Catarina, Florianópolis.
Monarquistas e federalistas estavam entre os principais inimigos do novo regime, e muitos foram capturados e aprisionados na Fortaleza de Anhatomirim.
Uma vez presos, esses homens eram torturados de maneira bárbara pelos militares. Há relatos de que, à noite, os prisioneiros eram mantidos no subsolo da fortaleza, onde, à medida que a maré subia, as gélidas águas do mar os envolviam, prolongando sua agonia. Alguns morreram ali mesmo, dentro de suas celas. Outros, especialmente militares, tiveram mortes consideradas mais "honrosas", sendo fuzilados. As balas que mataram esses homens, foram encontradas nas paredes marcadas da fortaleza, após uma investigação proposta pela Universidade Federal de Santa Catarina. As marcas da crueldade, habitam fisicamente as paredes do local.
Outro símbolo da crueldade que a ilha vivenciou, é a ´´Arvore dos Enforcados´´, que como o nome sugere, era palco da execução de civis presos, vítimas de enforcamento. Até os dias de hoje, pessoas que passam pelo local, dizem sentir a carga negativa que a arvore emana.
O restante dos revoltosos, no entanto, enfrentou destinos ainda mais cruéis: enforcamento, esfaqueamento e até o confinamento em poços profundos, onde eram deixados para morrer sem comida ou água. Mais do que uma simples prisão, a ilha tornou-se um símbolo da maldade humana, um lembrete sombrio de até onde a sede de poder pode levar um homem a cometer atrocidades contra seus semelhantes.
Com o passar das décadas, a imponente fortaleza construída pelos portugueses, com seus casarões e muralhas de tijolos, começou a envelhecer, tornando-se um monumento abandonado e sinistro do passado. Foram os indígenas que batizaram a ilha de Anhatomirim — "Pequena Ilha do Diabo" —, um nome que ecoa os horrores cometidos entre suas paredes.
Hoje, a ilha é um dos pontos turísticos mais visitados de Santa Catarina, seja por seu legado histórico ou por suas belezas naturais inegáveis. No entanto, aqueles que a exploram com mais atenção dizem que ainda é possível ouvir os gemidos de sofrimento dos antigos prisioneiros e o arrastar das correntes pelo chão de concreto. Até mesmo estudiosos da área, chegaram a investigar a ilha, e confirmam a existência de algo sobrenatural no local, mas, para a maioria das pessoas, não passa de especulação.
Sem dúvida, este é um dos cenários mais trágicos do estado.
As Bruxas de Florianópolis

As bruxas e feiticeiras de Florianópolis são, talvez, o elemento mais marcante do folclore da Ilha da Magia e do folclore catarinense como um todo. Há milhares de relatos ao longo de diversas décadas, desde o período monárquico até os dias atuais.
Franklin Cascaes, um dos maiores escritores catarinenses de todos os tempos, foi o maior explorador dessa faceta da mitologia manezinha. Suas lendas retratavam as bruxas de diferentes formas: desde idosas horrendas até jovens sedutoras e, em alguns casos, criaturas magras e humanoides.
Cascaes registrou inúmeros relatos de moradores da cidade em seus contos. Um dos mais famosos é o de um pescador que percebeu que seu barco estava sendo retirado da baía durante a noite. Para descobrir a identidade do suposto ladrão, ele decidiu se esconder dentro da embarcação. Quando finalmente avistou os responsáveis, teve uma revelação aterradora: tratava-se de um grupo de bruxas, que levavam o barco para alto-mar ou para ilhas desertas, onde realizavam cultos ao diabo.
Em outra obra, Franklin narra a história de uma jovem chamada Vivina, que compra uma relíquia de uma idosa e, sem saber, acaba amaldiçoada. A maldição lhe causa uma doença grave, que só cessaria caso ela se juntasse à cruzada maligna da bruxa.
Elementos clássicos do folclore mundial sobre bruxas também aparecem nas histórias de Cascaes: poções bizarras, sequestro de crianças, sedução e morte de homens, entre outros. Sua obra não apenas preservou, mas ajudou a solidificar essa parte sombria e fascinante da cultura catarinense.
A Noiva de Itajaí

Essa é uma lenda um tanto diversificada, com paralelos semelhantes por todo o país, sendo conhecida pelos nomes de "A Noiva de Branco" ou "A Mulher de Branco". Porém, Santa Catarina tem sua própria versão dessa lenda: a Noiva de Itajaí.
Por volta de 1910, uma jovem mulher se dirigia para o seu casamento em uma charrete. Ela estava ansiosa, era o grande sonho de sua vida, e toda a sua família aguardava o grande momento.
No entanto, antes de chegar à igreja, uma tragédia aconteceu. Sua charrete colidiu com outra, e, no tumulto dos cavalos, a noiva foi pisoteada até a morte.
Esse fim trágico não foi aceito pela alma da jovem, que passou a habitar aquelas estradas como um espírito frustrado, ainda sonhando com o dia do seu casamento. Assim como em outras versões da lenda, a noiva vaga pelas margens das estradas de Itajaí, pedindo carona para os motoristas. Uma vez no banco de trás, ela começa a falar sobre o casamento que nunca teve, e, antes de chegar ao destino desejado, desaparece do banco, sem deixar rastros.
Os Mortos Vivos de Blumenau

Existem poucos medos mais irracionais no ser humano do que o de ser enterrado vivo. No entanto, em Blumenau, no ano de 1905, descobriu-se que várias pessoas haviam tido esse destino aterrorizante.
Hermann Baumgarten, jornalista da cidade, havia permanecido desacordado, sem sinais vitais, aparentemente morto. Ele foi levado à igreja para seu funeral, mas, durante todo o percurso, ele ainda estava vivo, embora em estado cataléptico. Ele podia ouvir as pessoas chorando e lamentando sua morte, enquanto o padre proferia as bênçãos sobre seu corpo.
Hermann lutava para se mover, mas seu corpo não respondia aos seus comandos, e o desespero começou a crescer dentro dele.
Porém, José Bonifácio, médico e amigo pessoal de Hermann, havia observado friamente seu corpo e notado que ele não apresentava a palidez típica de um cadáver. Ele então passou a fazer alguns estímulos para testar a reação. Foi assim que Hermann se ergueu em meio ao seu próprio funeral, deixando todos os presentes incrédulos. José lhes explicou o ocorrido, e Hermann seguiu sua vida, mas o terror na cidade estava apenas começando.
A Catedral Católica da cidade estava sendo transferida para o centro, e os túmulos estavam sendo removidos para o transporte. Foi então que uma macabra surpresa os aguardava. Os corpos, que haviam sido enterrados de um jeito, estavam em posições diferentes, retorcidos e tensos, como se tivessem tentado sair da sepultura. Vários cadáveres estavam nesse estado; todas aquelas pessoas haviam sido enterradas ainda vivas. Quando recobraram a consciência, se viram presas sob metros de barro e a tampa do caixão. Essas pessoas lutaram para sair, mas acabaram morrendo por falta de ar.
Esse relato aterrorizante manteve todos em alerta. Assim, maiores cuidados passaram a ser tomados antes dos enterros, para garantir que as pessoas realmente haviam morrido. Outros adotaram sistemas como os utilizados na Europa, em uma época em que se acreditava que os mortos poderiam voltar à terra em forma de vampiros. Para identificar essas "fugas", amarravam sinos aos corpos, para que fossem ouvidos, caso se movessem.
As Sombras da Ponte

A Ponte Hercílio Luz, inaugurada em 1926, é o maior símbolo do Estado de Santa Catarina e da cidade de Florianópolis. A obra levou quatro anos para ser concluída, sendo uma homenagem ao então Governador do Estado, Dr. Hercílio Luz. Como qualquer grande construção da época, esse projeto custou a vida de várias pessoas, especialmente devido à total insegurança com a qual os trabalhadores eram tratados.
Apesar de sua inegável beleza, a ponte carrega uma história carregada de dor. As chamadas "Sombras da Ponte" representam os homens que perderam a vida durante sua construção, vítimas do descaso e da negligência, e que foram esquecidos pela história. Alguns deles caíram no mar, e seus corpos nunca foram resgatados das profundezas. Por isso, com o passar dos anos, aqueles que se aproximam do local para admirar sua grandiosidade, começam a avistar de relance algumas sombras que, ao serem fixadas, desaparecem misteriosamente, tornando incerta sua verdadeira existência.
Chegamos, então, ao fim de nossa viagem pelo folclore catarinense. Algo em comum em todas essas lendas é a presença de algo muito além do sobrenatural: a maldade do próprio homem. Seja no descaso com a vida alheia, seja no ódio cego, os horrores da humanidade se fundem à nossa tradição, tornando-se atemporais através dessas histórias. Talvez os relatos sobrenaturais sejam irreais, mas a maldade por trás deles, essa sim, é 100% verídica.
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