Fala nação, seguindo o quadro de viagens pela história da música, nada mais justo do que mergulhar na tradição da nossa própria música! Se tem um país que mudou e muito o seu estilo musical ao longo dos anos, foi o Brasil, com os mais diversos gêneros dominando décadas distintas. Teremos rock, sertanejo, MPB e todos os tipos musicais que compõe a voz do nosso país nos últimos cem anos.
1920- Tristeza do Jeca
"Pelo Telefone" é um marco na história da música brasileira, amplamente reconhecida como o primeiro samba gravado, em 1917, embora seu sucesso tenha se consolidado na década de 1920. A composição é creditada a Donga (Ernesto dos Santos) e Mauro de Almeida, mas sua origem é envolta em controvérsias. Muitos acreditam que a melodia e os versos nasceram de maneira colaborativa nas tradicionais rodas de samba e terreiros do Rio de Janeiro, especialmente na casa de Tia Ciata, uma figura central da cultura afro-brasileira da época. Essa música representa uma convergência de estilos, misturando elementos rítmicos do maxixe e do samba, marcando o início de um gênero que viria a ser o coração da música popular brasileira.
Com uma letra bem-humorada e satírica, Pelo Telefone apresenta um tom jocoso ao narrar uma suposta conversa telefônica em que o chefe da polícia avisa sobre uma roleta de jogo, algo típico do cotidiano carioca: "O chefe da polícia pelo telefone / Mandou me avisar / Que na Carioca tem uma roleta para se jogar." O tema, centrado no telefone, era moderníssimo para a época, refletindo as mudanças tecnológicas e culturais que começavam a transformar o Brasil urbano. Dessa forma, a canção não foi apenas uma inovação musical, mas também uma crônica de um país em transformação, capturando elementos da vida boêmia e da cultura popular.
1930- Aquarela do Brasil
"Aquarela do Brasil", composta por Ary Barroso em 1939, é uma das músicas mais icônicas e internacionalmente conhecidas da história brasileira. Essa obra-prima do samba-exaltação transcende o campo da música, sendo uma celebração grandiosa da cultura, da paisagem e do espírito nacional brasileiro. Ary Barroso compôs a canção em um momento em que o Brasil vivia sob o governo de Getúlio Vargas, em um período marcado pelo nacionalismo exacerbado e pela busca de uma identidade cultural que unificasse o país. Nesse contexto, Aquarela do Brasil não apenas enalteceu as riquezas naturais e a diversidade cultural do Brasil, mas também ajudou a projetar uma imagem positiva e vibrante do país para o mundo.
A letra, carregada de imagens poéticas, evoca o tropicalismo e as belezas naturais do Brasil. Versos como “esse coqueiro que dá coco, onde amarro a minha rede nas noites claras de luar” e “terra de samba e pandeiro” pintam uma imagem idealizada do país, repleta de cores, sons e texturas que remetem à alegria e à exuberância brasileiras. O uso da palavra "Brasil" repetidamente na canção também reforça o sentimento patriótico, enquanto o ritmo cadenciado do samba, combinado com um arranjo orquestral sofisticado, traduz uma sensação de grandiosidade.
1940- Asa Branca
"Asa Branca", composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em 1947, é uma obra-prima da música brasileira que transcende seu gênero para se consolidar como um símbolo da identidade nordestina e da luta do sertanejo contra as adversidades. A música aborda o impacto da seca no sertão do Brasil, narrando a difícil decisão de abandonar a terra natal em busca de melhores condições de vida. Essa temática ressoa profundamente com a história e a cultura do Nordeste, tornando Asa Branca um verdadeiro hino de resistência e saudade.
Luiz Gonzaga, ao introduzir a sanfona como instrumento central e incorporar elementos do baião, ajudou a criar um estilo musical que projetou o Nordeste para o resto do Brasil. Asa Branca é, nesse sentido, uma das canções mais representativas dessa nova sonoridade, unindo simplicidade melódica e lirismo poético com uma mensagem social poderosa. A música não apenas emociona pelo retrato da dor e do desamparo, mas também pela força de sua mensagem de esperança, representada pelo desejo de retornar ao lar quando as condições permitirem.
1950- Chega de Saudade
"Chega de Saudade" não é de autoria de Gilberto Gil, mas sim uma composição de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, lançada em 1958 com interpretação de João Gilberto. Essa canção é amplamente considerada o marco inaugural da bossa nova, transformando a música popular brasileira ao introduzir uma nova abordagem harmônica, melódica e rítmica que combinava a sofisticação do jazz com a essência do samba.
A composição representa uma ruptura e, ao mesmo tempo, um diálogo com as tradições musicais brasileiras, trazendo uma suavidade que contrastava com a força e intensidade do samba tradicional. A interpretação de João Gilberto, com seu canto quase sussurrado e a batida única de violão, foi crucial para estabelecer o estilo inconfundível da bossa nova. A letra de Vinícius de Moraes é uma ode ao amor e à saudade, mas com um tom de otimismo e superação que reflete uma atitude mais leve em relação às emoções humanas.
Embora Gilberto Gil não seja o compositor ou intérprete original, ele, como um dos grandes artistas da Tropicália e da música popular brasileira, ajudou a perpetuar e reinterpretar esse legado em sua obra. Sua afinidade com a bossa nova reflete-se em muitos momentos de sua carreira, onde ele dialoga com o gênero, integrando-o a suas experimentações rítmicas e poéticas.
"Chega de Saudade" permanece como um marco cultural, não apenas por inaugurar um gênero, mas por redefinir a maneira como o Brasil se percebia e era percebido no exterior, projetando uma imagem sofisticada e universal. Suas contribuições ao cancioneiro brasileiro são incomensuráveis, sendo interpretada por artistas no mundo todo, o que a torna atemporal.
1960- Garota de Ipanema
"Garota de Ipanema", composta por Tom Jobim e Vinícius de Moraes em 1962, é talvez a canção brasileira mais conhecida no mundo, um verdadeiro emblema da bossa nova e um ícone da música popular global. Inspirada por uma cena cotidiana — o deslizar de uma jovem pela praia do bairro carioca de Ipanema — a música transcende sua simplicidade aparente, capturando com delicadeza a beleza, a leveza e o romantismo de um Brasil idealizado. Sua combinação de melodia sofisticada, harmonia jazzística e letra poética a tornou uma obra atemporal.
A canção nasceu durante a parceria entre Jobim e Vinícius em projetos para a peça Dirigível. A musa inspiradora foi Helô Pinheiro, então adolescente, que passava frequentemente pelo bar Veloso, frequentado pelos compositores. A visão daquela jovem com sua graça despreocupada serviu de metáfora para um momento histórico e cultural: o Rio de Janeiro dos anos 1960, repleto de otimismo, charme e a promessa de modernidade. O que poderia ser apenas um retrato de um instante comum se transforma em um poema musical que celebra a juventude, a beleza e a melancolia de um amor distante.
1970- Como Nossos Pais
"Como Nossos Pais", composta por Belchior em 1976 e eternizada na voz de Elis Regina, é uma das canções mais emblemáticas da música popular brasileira. A canção, com sua letra visceral e melodia marcante, é um grito de inquietação e confronto geracional, um manifesto que questiona o conformismo e expõe os dilemas entre tradição e mudança. Interpretada com intensidade por Elis Regina, ela transcendeu seu contexto original, tornando-se atemporal e ressoando com diferentes gerações ao longo dos anos.
A letra de Belchior é um misto de confissão pessoal e reflexão social. Ela exprime uma sensação de desencanto e impotência diante da repetição dos mesmos erros e padrões pelas novas gerações, como no trecho que dá título à música: "Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem." Esse verso encapsula o dilema de uma juventude que, mesmo desejando mudanças, frequentemente se vê presa a valores e comportamentos herdados. No contexto da década de 1970, essa mensagem ganhava ainda mais força, já que o Brasil vivia sob a ditadura militar, um período de repressão que sufocava as aspirações por transformação.
Musicalmente, a canção é simples, mas poderosa. A melodia melancólica é conduzida por acordes de violão e piano, criando uma atmosfera de intimidade e introspecção que amplifica a força da letra. A interpretação de Elis Regina é arrebatadora, carregada de emoção e dramaticidade. Sua entrega vocal transforma a canção em uma experiência catártica, capturando o conflito interno e o anseio por mudança expressos na composição.
Embora originalmente escrita por Belchior, foi a interpretação de Elis que elevou Como Nossos Pais ao status de clássico. Sua performance, especialmente no álbum Falso Brilhante (1976), é considerada uma das mais icônicas da música brasileira, consolidando a música como um hino de resistência e reflexão.
1980- Pais e Filhos
Talvez a Era de Ouro da música nacional, onde o rock dominava a mente dos jovens da época, aproveitando o crescente enfraquecimento da censura do Regime Militar, que acabou por cair em 1985. Com isso, toda a revolta e a vontade de se libertar, acumulada ao longo das duas décadas anteriores, enfim pode ser expressada, levando artistas como Renato Russo, Cazuza, Cássia Eller e tanto outros, a criarem suas letras com diversos assuntos e ideologias que antes não poderiam ser expressas, o que nos leva as duas canções que escolhemos para essa Década Dourada da música nacional
Pais e Filhos, lançada em 1989, considerado por muitos o Hino da Legião Urbana, carrega consigo muito do estado de espírito do seu autor, Renato, que como em muitos outros momentos em sua vida, passava por uma intensa depressão, algo que se reflete muito claramente nos primeiros versos da canção:
Ela se jogou na janela do quinto andar, nada é fácil de entender.
No entanto, ao longo da canção, o vazio e a depressão, vão se transformando em esperança, com uma letra cada vez mais poética e grandiosa, como observamos em frases como ´´É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã´´, que apresenta uma linda mensagem de amor, em meio aos diversos problemas delatados pela música. Por fim, temos uma das músicas mais belas da história do nosso país, mas, que poderia muito bem dar espaço a muitas outras melodias fantásticas da própria Legião Urbana, como Tempo Perdido, Será, Que País é Esse e Índios.
O Tempo Não Para
Um dos maiores sucesso de Agenor de Miranda, mais conhecido como Cazuza, que viveu o auge de sua carreira nos anos 1980, após sair do grupo Barão Vermelho para seguir carreira solo. Infelizmente, sua vida terminou cedo demais, falecendo em 1990, vítima do HVI, a pandemia que ceifou mais de 40 milhões de pessoas, desde o seu fortalecimento a partir dos anos 1970, levando consigo diversos artistas consagrados, como Freddie Mercury, Renato Russo e o próprio Cazuza.
Assim como Renato, Cazuza trazia em suas músicas, tanto uma crítica política, quanto por muitas vezes, alguns traços de sua homossexualidade, velada entre os versos. O Tempo Não Para, faz críticas contra a corrupção e o preconceito, trazendo consigo, a mensagem de que o tempo é muda todas as coisas, nada é para sempre, e por isso, não a injustiça que dure para sempre. O vocal de Cazuza é encantador, assim como a parte instrumental, que marcou época, tornando esse, mais um dos hinos do rock nacional.
1990- Evidências
"Evidências", lançada em 1990 por Chitãozinho e Xororó, é uma das músicas mais icônicas da música sertaneja e um verdadeiro fenômeno cultural no Brasil. Composta por José Augusto e Paulo Sérgio Valle, a canção transcendeu o gênero sertanejo e tornou-se um clássico absoluto, cantada em karaokês, bares e shows por pessoas de todas as idades e gostos musicais.
A letra de Evidências explora os dilemas de um amor mal resolvido, repleto de orgulho e negação, mas que, no fundo, transborda sinceridade e vulnerabilidade. Frases como "Sei que te amo e não consigo dizer" capturam a intensidade emocional e o drama romântico que tornaram a música tão universal. A melodia grandiosa, combinada com a interpretação apaixonada de Chitãozinho e Xororó, amplifica a conexão emocional do público, fazendo com que cada verso soe como uma confissão pessoal.
Como dito anteriormente, a música se tornou um clássico supremo da história recente do nosso país, e isso pode ser exemplificado de muitas formas, uma vez que além de ser uma das músicas brasileiras mais tocadas mundo a fora, a canção chegou até mesmo a receber um filme em sua homenagem, a obra Evidências do Amor, de 2024, protagonizada por Fábio Porchat e Sandy, que vivem um casal que foi de certa forma, ´´conectado´´ por Evidências, e que tem sua vida amorosa totalmente permeada por ela, mostrando a tamanha influência da obra.
2000- Segura o Tchan
A música traz uma melodia dançante, cheia de swing, com a repetição de frases como "Segura o Tchan!" e "Tchan, tchan, tchan", que logo se tornaram símbolos de alegria e diversão. Com um ritmo acelerado e envolvente, Segura o Tchan! não é apenas uma canção, mas uma verdadeira chamada para a dança, para o movimento, para o prazer do momento. A letra simples e a energia vibrante transmitem um espírito de liberdade e celebração, algo essencial na música de carnaval e nas festas populares do Brasil.
A performance do grupo É o Tchan foi um dos principais responsáveis pela propagação dessa canção, com danças marcantes que se tornaram febre nas escolas de samba, festas e até programas de televisão. O hit virou sinônimo de diversão coletiva, levando multidões a dançar ao som de seu ritmo envolvente. Bom, depois de falar de uma música popular de carnaval, não custa nada deixarmos como segunda opção, uma poesia mais depressiva.
Eu Não Existo Longe de Você
A letra da música é uma declaração apaixonada de alguém que não consegue viver sem a presença do outro, refletindo o desejo de proximidade e a necessidade do amor para a própria felicidade. Frases como "Eu não existo longe de você, não sei viver sem você" encapsulam a ideia de uma ligação profunda e quase irracional entre os amantes, e a letra faz com que o ouvinte sinta a sinceridade e a vulnerabilidade do eu-lírico.
Musicalmente, a faixa combina o funk carioca com elementos do pop, criando uma sonoridade acessível que agradou não só aos fãs de funk, mas também a um público mais amplo. A interpretação de Claudinho e Bochecha, com suas vozes marcantes e bem entrosadas, traz ainda mais intensidade à mensagem da música, que se tornou um dos maiores sucessos da dupla. Como uma dupla homenagem, deixaremos a versão da talentosa cantora Adriana Calcanhoto para representar a canção, uma vez que além de ser tão boa quanta a versão original, é a forma como muitos ouvintes conheceram a música.
2010- Aí Se eu te Pego
"Ai Se Eu Te Pego", lançada em 2011 por Michel Teló, tornou-se um dos maiores fenômenos da música brasileira no cenário internacional. A canção, com seu ritmo contagiante de sertanejo universitário, rapidamente se espalhou por festas, rádios e redes sociais, tornando-se um sucesso estrondoso não só no Brasil, mas também em diversos países, especialmente na América Latina e Europa.
Com uma melodia envolvente e uma letra simples, mas cheia de ginga, "Ai Se Eu Te Pego" é uma canção de pegação, onde o cantor expressa seu desejo de conquistar a pessoa amada com bastante espontaneidade e charme. A famosa frase do refrão, "Ai se eu te pego, ai, ai, se eu te pego", se tornou um bordão imortal, marcando presença em todos os lugares onde a música tocava.
A música reflete o estilo descontraído e festivo do sertanejo universitário, que mistura elementos da música sertaneja tradicional com influências de pop e música eletrônica. O ritmo acelerado, os versos repetitivos e a energia da canção fazem dela um convite à dança, especialmente com o famoso "passinho do Teló", que se popularizou nas festas.
Segura o Tcham, Ai se ru te pego... não dá nem pra chamar de "Música"...🤭